sexta-feira, 21 de outubro de 2016

A dialética da cachaça





José Luiz Gomes


Etimologicamente, o termo cachaça está associado, em sua origem, ao porco-do-mato, conhecido como caititis e caititus ou, ainda, cachaço(macho) e cachaça(fêmea da espécie). Tratava-se, na sua origem, de uma garapa azeda conhecida como cagassa, desprezada em recipientes imundos, que os escravos utilizavam para amaciar a carne do porco. Com um teor de álcool que varia entre 38 e 57 G, passou a ser servida aos escravos nas primeiras horas do dia, para que os mesmos pudessem suportar melhor o trabalho árduo no eito, atolados no massapê, sob condições absolutamente desumanas, conforme observava o folclorista Mario Souto Maior. 

A ascendência social e econômica da cachaça foi rápida, o que chegou a incomodar a Coroa Portuguesa - em razão da concorrência com a sua aguardente produzida a partir da fermentação do bagaço da uva, conhecida como Bagaceira. O Governo Português chegou a tentar proibir a sua produção no Brasil, tendo enfrentado forte resistência dos produtores locais. A cachaça tornou-se moeda de troca nas transações envolvendo o comércio escravista. De acordo com relatos de historiadores da época, sua importância comercial atingiu tamanha dimensão que não se concretizavam transações dessa natureza sem a cachaça como moeda de troca. A partir daí, pode-se concluir, portanto, que a cachaça, sob certos aspectos, contribuiu para o prolongamento da iníqua instituição escravocrata no Nordeste brasileiro.

Por outro lado, movimentos libertários como a Revolução Republicana Pernambucana e a Inconfidência Mineira foram blindados com a água que passarinho não bebe. Ou seja, se, por um lado, a cachaça esteve associada à manutenção do comércio escravista, por outro lado, alimentou utopias libertárias. Por razões como esta, a cachaça é conhecida como uma bebida genuinamente nacional. Nossos 500 anos de História foram blindados com cachaça. Hoje, é a bebida destilada mais consumida do país e uma das mais consumidas do mundo, sendo exportada para mais de 60 países. 55% da população brasileira consome cachaça, entre as mais diversas camadas sociais. Desde a pinga branca ou transparente, que concentra 90% da produção, até a pinga artesanal envelhecida, como a Espírito de Minas, que passou anos no topo da lista de melhor cachaça do mundo. 

São realizados, anualmente, diversos rankings de degustação sobre as melhores cachaças, aqui no Brasil, e em outras partes do mundo. Quando estamos tratando da hegemonia das cachaças mineiras como as melhores do mundo, isso vem se modificando ao longo dos anos. Nos ranking mais recentes, por exemplo, no que concerne à cachaça do tipo branca, sem aditivos e ou envelhecidas, a região do Brejo Paraibano começa a despontar como uma região bem-sucedida neste quesito. A cachaça Volúpia, produzida no Engenho Várzea Grande, em Serraria, já conquistou o primeiro prêmio em diversos concursos de degustação. 

Como citar este texto:

Fonte: SILVA, José Luiz Gomes da. A Dialética da Cachaça. Recife. Pesquisa Escolar do Nordeste. Disponível em: http://pesquisaescolardonordeste.blogspot.com. Acesso em: dia, mês e ano. Ex:20.Out.2016