domingo, 27 de dezembro de 2015

Os melhores dias da vida de Orson Welles






José Luiz Gomes da Silva



Era o ano de 1941. Em pleno Estado-Novo, quatro jangadeiros cearenses realizaram um reide do Ceará ao Rio de Janeiro a bordo da jangada São Pedro, assim batizada em homenagem ao padroeiro dos pescadores. Guiados pela determinação, a esperança e as estrelas - sem bússola ou carta náutica, -Raimundo Correia Lima(Tatá),Manuel Pereira da Silva(Mané Preto), Jerônimo André de Souza(Mestre Jerônimo) e Manuel Olímpio Meira(Jacaré), o líder do grupo, realizaram um feito que entrou para a história da navegação, para a história da luta dos trabalhadores do mar e para a história do cinema, tornando-se uma película do cineasta americano, Orson Welles, somente finalizada oito anos após sua morte.

Integrantes da Colônia Z-1, da praia do Peixe, hoje Iracema, os jangadeiros desejavam denunciar para o país e para o Estado-Novo, corporificado na figura do ditador Getúlio Vargas, a situação de abandono em que viviam aproximadamente 35 mil pescadores do Ceará. O objetivo do reide era, portanto, indubitavelmente, político. O processo crescente de precarização da condição de vida dos trabalhadores do mar precisava ser exposto de alguma forma, e o reide cumpriria esse papel em todos os aspectos, inclusive no tocante à publicidade da repercussão do feito.

Os jangadeiros se indignavam, sobretudo, com a injusta apropriação indevida do resultado do seu trabalho. Os donos das jangadas ficavam com a metade do que eles pescavam. Moravam em toscas palhoças e não eram alcançados pelo instituto da previdência social. Os benefícios sociais, então obtidos pelos trabalhadores no Governo de Getúlio Vargas, não chegavam à classe de pescadores. No entendimento dos jangadeiros, o presidente da República, precisava tomar conhecimento desta situação. A qualquer custo.

Num “bom nordeste”, de uma manhã de 14 de setembro de 1941, os jangadeiros partiram da antiga praia do Peixe, chegando ao Rio de Janeiro dois meses depois. Foram muito bem acolhidos pela população carioca, num reconhecimento explícito pela bravura da odisseia, e, em 16 de novembro, foram recebidos no Palácio do Catete por Getúlio Vargas. Comenta-se que Getúlio teria dito para Jacaré, o líder do grupo, “Conte tudo. Não esconda nada”. Depois de ouvir as reivindicações dos pescadores, Vargas, bem ao estilo populista, teria concluído: “Voltem tranquilos. O Governo saberá ampará-los e dar-lhes justiça.”

Embora Vargas tenha cumprido as promessas formais assumidas – estendendo os direitos trabalhistas à classe de pescadores - Desde então, a situação dos trabalhadores do mar, que se dedicam à pesca artesanal no país, por inúmeros fatores, permanece enfrentado uma série de problemas, como a concorrência desleal com a pesca industrial, agravados pela escassez do pescado, como resultado da destruição dos manguezais, da pesca predatória, da não observância aos períodos de defeso das espécies.

O caso das “meninas marisqueiras” nos oferece uma situação emblemática, identificadora de que o “estado de abandono”, criticados pelos pescadores à época, ainda não foi superado. Em todas as regiões do país, mas, sobretudo, no litoral nordestino, essas meninas enfrentam um grande dilema: precisam optar entre frequentar uma escola com regularidade ou ir à pesca do crustáceo, fundamental para a sua sobrevivência. Não é preciso ser nenhum especialista em educação para concluir que, nessas circunstâncias, é grande o índice de abandono das salas de aula nas regiões litorâneas, onde esse crustáceo ajuda a movimentar a economia local, além de ser fonte de subsistência dessa população.

Na mesma década do reide dos pescadores cearenses, o sociólogo pernambucano Josué de Castro, através dos seus livros, denunciava as precárias condições de vida dos moradores dos mangues do Recife, imprimindo à questão da fome um status político, fruto das engrenagens sociais perversas. Segundo Josué, esses moradores viviam como caranguejos, atolados na lama, numa verdadeira cumplicidade com o mangue. “Ali, tudo é, foi ou será caranguejo”.

Há alguns outros fatos históricos que relacionam, de uma maneira mais orgânica, o Estado do Ceará às jangadas. Além do reide de Jacaré e seus companheiros; os romances de José de Alencar; e um fato emblemático relacionado à libertação dos escravos. Antecipando-se à assinatura da Lei Áurea, o Ceará torna-se a primeira província brasileira a abolir a escravidão. Também possui seus heróis e um desses heróis era um líder jangadeiro, Francisco José do Nascimento, conhecido como Chico da Matilde, um pardo e humilde trabalhador do mar, que se recusou a embarcar, através de sua jangada, escravos para navios negreiros que estavam ancorados no Ceará e tinha como destino o Rio de Janeiro.Levado para a Corte, Chico da Matilde, foi ovacionado pelo povo e rebatizado de Dragão do Mar. Hoje, no Ceará, o Centro Dragão do Mar de Arte e Cultura é uma homenagem a este jangadeiro que, numa atitude de muita dignidade, contribuiu para, formalmente, agilizar o processo de libertação dos escravos.

As jangadas são embarcações de madeira flutuante, utilizadas por pescadores artesanais para a pesca em alto mar, sobretudo na costa litorânea do Nordeste brasileiro. Trata-se de um barco movido à vela, que incorpora uma série de experiências no campo da navegação, exigindo de seu comandante, destreza, habilidade, perícia e sensibilidade para acompanhar o movimento dos ventos, tábua de marés. As jangadas tradicionais são construídas sem o emprego de metais, ou seja, toda a sua estrutura é montada através de encaixes e amarradas com cordas de fibras selvagens, neste aspecto, incorporando a experiência indígena. Segundo o folclorista potiguar Luiz da Câmara Cascudo, em trabalho encomendado pela propaganda getulista, denominado Jangadeiros, a tradição de fazer jangadas com essas características vem se perdendo ao longo dos anos. Poucas colônias de pescadores da região ainda preservam tal tradição.

O reide do jangadeiro Jacaré e de seus companheiros obteve repercussão internacional. O cineasta Orson Welles tomou conhecimento da proeza através de uma edição da revista Time, que chegou em suas mãos quando ele estava a trabalho, no México. Ao ler a matéria, Orson não teve nenhuma dúvida: estava ali o segundo episódio brasileiro de um trabalho, que estava realizando para o Studio RKO, que integrava as políticas diplomáticas de boa vizinhança, do presidente Roosevelt, para o continente latino-americano.

A presença de Orson Welles no Brasil, e em particular no Ceará, as filmagens de It’s All True – título do filme que incorporava a saga dos pescadores cearenses e o carnaval carioca – a exploração política do episódio pelo do Estado Novo e a morte trágica de Jacaré durante as filmagens – num acidente sob suspeição -, culminou com a interrupção dos trabalhos, o que levou Orson Welles de volta ao Ceará, sem nenhum recurso, para retomar as filmagens, em situação extremamente complicada. Esses constrangimentos até hoje geram muitas especulações e algum folclore.

Determinado a concluir as filmagens sobre a saga dos jangadeiros, Orson Welles, como já afirmamos, voltou ao Ceará com a ideia na cabeça e uma câmara que sequer permitia a gravação de áudio. Convivendo diretamente com os jangadeiros cearenses, Welles, arriscamos a dizer, viveu os melhores dias de sua vida, a despeito das dificuldades: Filmava mesmo nessas condições adversas, um ofício que era sua grande paixão; saia para pescar com os pescadores cearenses; comeu muita cioba fresca com uma cervejinha gelada, nas caiçaras, no final de tarde; contemplava o pôr-do-sol do alto das dunas; dormia em rede; por vezes estirado na esteira de vime, como diria o poeta. Certamente namorava - provavelmente alguma cearense "avermelhada" - e ainda ouvia as conversas de pescadores, naquele bate-papo descontraído. Se, como dizem os seus biógrafos, foram os piores dias de sua vida, afirmaríamos serem os piores melhores dias.

Aqui, no litoral nordestino, um verdadeiro paraíso tropical, Welles teve a oportunidade de livrar-se do tedioso modo de vida americano, a exemplo do escritor Ernest Hemingway, que passou um período de sua vida em Cuba, pescando, escrevendo e observando o cotidiano dos trabalhadores do mar, o que resultaria no romance O Velho e o Mar. Neste período, Orson teria aproveitado o momento para realizar uma viagem ao Recife. Orson, todos sabem, tinha fama de mulherengo e fanfarrão. Hospedou-se no Grande Hotel e, numa noite de farra, teria tomado um porre “daqueles”, perdido o equilíbrio, e caído nas águas turvas do Rio Capibaribe, completamente "mamado". Uma espécie de batismo recifense do cineasta americano. It’s All True!

Há, também, uma teoria conspiratória sobre o acidente com a lancha que vitimou Jacaré, na enseada de Ipanema. Há quem assegure que o Estado Novo, que havia determinado ao DOPS que seguisse os passos dos pescadores para não permitir sua aproximação com a esquerda, poderia ter tramado a morte dos jangadeiros. Apenas Jacaré faleceu no acidente. Seu corpo nunca foi encontrado. O Estado Novo também estaria incomodado com tantos pobres, negros e favelas nas tomadas de Orson Welles no Rio de Janeiro e teria feito gestões junto ao Governo Americano no sentido de interromper as filmagens. 

Especulação ou verdade, o fato é que o Studio RKO, logo em seguida, deixou Orson à míngua, conforme já informamos. Antes do reide, os jangadeiros cearenses, por sua vez, esperaram por muito tempo, um sinal verde da Marinha Mercante liberando-os para a viagem. Incomodado com o fato, o jornalista Austregésilo de Atayde escreveu um artigo apaixonado intitulado: “Deixem vir os Jangadeiros”. Por ocasião do encontro com Getúlio Vargas, um dos seus assessores queria saber quem havia escrito o diário de bordo, relatando toda a odisseia. Ao que Jacaré teria respondido: eu mesmo escrevi o diário. Espantado, o assessor teria dito: É um novo Pero Vaz de Caminha! Jacaré, então, retrucou: Este não veio!

Embora Orson Welles seja um pouco fantasioso ao apresentar os pescadores como sujeitos praticamente vivendo longe da civilização – conforme afirma Beatriz Abreu, que escreveu uma tese de doutorado sobre o reide dos jangadeiros cearenses e sua “apropriação” política pelo Estado Novo, como peça de propaganda – o fato é que, já naquela época, a especulação imobiliária naquela área estaria empurrando os pescadores morro à cima. Beatriz Abreu enfatiza, sobretudo, os “ganhos simbólicos” do trabalhismo de Getúlio com o episódio, numa análise que merece ser lida, porque, apesar das críticas, reconhece a dignidade da ação dos jangadeiros.

O cinema nacional dedicaria outros trabalhos envolvendo a temática dos jangadeiros. Em 1926, no Recife, num movimento que ficou conhecido como “Ciclo do Recife”, marco da cinematografia brasileira, com roteiro de Luís Maranhão, Tito Severo e Jota Soares e direção de Gentil Roiz e Ary Severo foi realizado o filme mudo “Aitaré da Praia”, que conta a história de Aitaré, jangadeiro que namorava Cora e se envolve numa série de problemas depois de salvar o rico coronel Felipe e sua filha.

Sobre a presença de Orson Welles no Ceará, Firmino Holanda realizou um excelente documentário. It’s All True seria retomado mais tarde, com o filho de Jacaré, assumindo o papel principal. Depois desse episódio, outros reides foram realizados, embora sem o mesmo glamour e repercussão do reide realizado em 1941, pelos jangadeiros cearenses. Em 1974, quatro outros jangadeiros empreenderam a mesma travessia, quase sempre focadas na exposição das condições sociais dos pescadores.

Em plena ditadura militar, no seu período mais crítico, a repercussão dessa segunda viagem foi bastante suprimida. A jangada dessa travessia de 1974, no entanto, que pertenceu ao jangadeiro José de Lima Verde, e esteve sob os cuidados do Museu Histórico Nacional, tornou-se acervo permanente do Museu do Homem do Nordeste, da Fundação Joaquim Nabuco, exposta para visitação pública no seu pátio externo.


Crédito da foto: Firmino Holanda

Como citar este texto:

SILVA, José Luiz Gomes da. Os melhores dias da vida de Orson Welles (Crônica). Pesquisa Escolar do Nordeste. Disponível em: http://pesquisaescolardonordeste.blogspot.com. Acesso em: dia, mês e ano. Ex. 20. ago.2015

sábado, 26 de dezembro de 2015

Uma crônica para José do Nascimento, "O homem caranguejo".



José Luiz Gomes da Silva


Escrevemos muito sobre a comunidade quilombola de São Lourenço, em Goiana, Mata Norte do Estado, que costumamos visitar, com os nossos alunos e alunas, com certa frequência. Chegamos até a produzir artigos científicos sobre o assunto, que foram publicados em periódicos nacionais. Na realidade, há muitas histórias envolvendo aquele local, inclusive o fato de a comunidade, possivelmente, ser remanescente do antigo Quilombo do Catucá, comandado por Malunguinho, um dos maiores do Brasil, de acordo com alguns historiadores, perdendo apenas para o que se formou na Serra da Barriga, em Alagoas, o Quilombo dos Palmares. Malunguinho tornou-se uma entidade do culto Jurema, um ritual religioso de origem afro-indígena, hoje, praticamente circunscrito à fronteira dos Estados de Pernambuco e Paraíba, além do Estado de Alagoas.

Sempre que falamos sobre o assunto, aguçamos a curiosidade de muita gente. As visitas são extremamente concorridas. Alunos de outras turmas e até os pais dos alunos querem nos acompanhar, além de participarem, ativamente, da campanha de donativos que realizamos na cidade onde fica a faculdade. Conheci José do Nascimento, o Jipe, numa reportagem de uma revista de circulação semanal. As repórteres da revista passaram uma semana na comunidade para realizarem uma grande matéria sobre a vida de José do Nascimento, o homem caranguejo, por ocasião do relançamento da obra do sociólogo pernambucano, Josué de Castro, ainda no primeiro Governo Lula.

A matéria tinha como gancho, conforme já afirmamos, o relançamento da obra do sociólogo Josué de Castro. As repórteres escaladas produziram uma grande reportagem, acompanhando o cotidiano daquelas famílias, relatando, com riqueza de detalhes, todas as agruras por ales enfrentadas, como as dificuldades para assegurarem o sustento econômico das famílias, as precárias condições das escolas públicas da comunidade, além da quase ausência de e assistência à saúde. A despeito das oportunidades de trabalho que estão surgindo em Goiana – em razão dos grandes investimentos previstos – a cadeia de sobrevivência da comunidade continua concentrada na captura de caranguejos e mariscos, boa parte comercializados na feira de Rio Doce, em Olinda.

As repórteres fizeram questão de acompanharem a rotina de trabalho de Jipe. Desceram com ele aos manguezais, onde foram produzidos belíssimos flagrantes fotográficos. Apaixonado pelo trabalho de Josué, enxergamos aí uma grande oportunidade de aula de campo quando estivéssemos discutindo a obra do sociólogo, que escolheu a fome como o núcleo mais importante de suas pesquisas. Josué passou a estudar o assunto desde o início de sua vida acadêmica, tendo produzido excelentes pesquisas sobre o tema ainda para cumprir os ritos acadêmicos, muito antes dos clássicos Geografia da Fome e Geopolítica da Fome. 

Apesar de pessoalmente vaidoso, humildemente admitia que havia aprendido muito com os moradores dos mangues do Recife. Os bairros alagados da Veneza pernambucana, como Afogados, Pina, estão presentes em sua obra. Aprendera mais nos mangues do Recife, dizia, do que em todos os compêndios e manuais da Sorbonne, onde chegou a dar aula quando esteve no exílio. No Governo João Goulart, por intermédio do antropólogo Darci Ribeiro, quase foi nomeado ministro de Estado. A conhecida inveja pernambucana o impediu de assumir o ministério.

Seu Jipe e dona Sebastiana são pessoas bastante humildes, que sobrevivem através da captura do caranguejo uçá, hoje escasso na região, sobretudo depois da instalação de fazendas de criação de camarão em cativeiro, que destruiu um manancial incomensurável de manguezais, comprometendo a cadeia de sobrevivência da comunidade remanescente de quilombo. Como agravante, isso já comprovado cientificamente, a ração utilizada para engorda do crustáceo, que se espalha nas águas, compromete a reprodução dos caranguejos. Aquela que seria a segunda maior fazenda de criação de camarão em cativeiro da América Latina, acabou não dando muito certo. Agiu o espírito de Malunguinho, como acreditam os quilombolas, assim como ocorreu com a Base de Lançamento de Foguetes de Alcântara, no Maranhão, onde vários cientistas brasileiros foram mortos pro ocasião de um teste. A base fica localizada num antigo cemitério de negros. Como essa gente, não se brinca, conforme nos advertiram os líderes quilombolas de Alcântara, nos quilombos que conhecemos, na garupa de uma moto. 

À época, denunciamos o fato, mas a empresa já havia, como sempre, obtido todas as licenças dos órgãos que, em tese, deveriam coibir o desmatamento de um bioma protegido constitucionalmente. Nas visitas que fizemos às mais importantes comunidades quilombolas de Alcântara, no Maranhão, sentimos o mesmo drama. Um líder quilombola nos relatou que a Aeronáutica, em função da construção da famosa plataforma de lançamento de foguetes, os afastou tanto de suas fontes de sobrevivência, que, não raro, quando eles conseguiam chegar às suas comunidades, depois do trabalho no mar, o pescado já está estragado.O coco de babaçu, outra fonte de sobrevivência da comunidade, para ser colhido, somente com autorização da Base de Alcântara e em momentos específicos. Pelo que apuramos, a vida nas agrovilas tem sido insustentável. 

Sempre arrecadamos quantidade razoável de alimentos e levamos para a comunidade quilombola de São Lourenço. Somos muito bem recebidos. Os alunos (as), quase todos oriundos da classe média tradicional, ficam assustados ao saberem que os rebentos da comunidade são criados com “leite de caranguejo”, ou seja, com o caldo do cozimento do crustáceo, de onde se obtém, igualmente, um delicioso pirão.

Muito interessante essas aulas de campo. Chegamos à Faculdade local logo cedinho e, com a logística da professora Carminha e o apoio decisivo de Serginho da Burra, conhecida figura dos círculos culturais e religiosos locais, depois de conhecermos a cidade, nos dirigimos para a comunidade de São Lourenço, onde conhecemos, em profundidade, a antropologia daquele ambiente: a comunidade quilombola, as rezadeiras, o culto afro-indígena, a colônia de pescadores, as garrafadas de seu Manuel - que curam de um tudo-, a deliciosa gastronomia local e as manifestações culturais inerentes.

No final, depois de umas boas doses de cachaça e a caldeirada da Irene - já repararam que em toda zona de culinária praieira há sempre uma Irene que prepara a melhor caldeirada?- Mergulhamos nas águas mornas da praia de Ponta de Pedras. Desliguem os celulares, por favor, para não sermos incomodados com esse tal de WhatsApp. 

Como citar este texto:

SILVA, José Luiz Gomes da. Uma crônica para José do Nascimento, "o homem caranguejo" (crônica). Pesquisa Escolar do Nordeste. Disponível em: http://pesquisaescolardonordeste.blogspot.com. Acesso: dia, mês e ano. Ex. 30. set.2009.

quarta-feira, 23 de dezembro de 2015

Jurema






José Luiz Gomes da Silva


Há muitos elementos convergentes entre as manifestações religiosas de etnia negra e ameríndia. O processo de colonização que colocou em contato as duas raças - e as subjugou sob os ditames do colonizador europeu - irmanou-as sob uma perspectiva: A luta de resistência contra a opressão e a preservação de seu legado cultural, entre os quais os ritos religiosos representam a sua expressão máxima. 

Essa convergência de propósitos provocou um entrelaçamento religioso, observado em diversas manifestações, onde é comum a presença de elementos mitigados entre as duas raças, sobretudo no Nordeste brasileiro, conforme é o caso da jurema, do toré, do candomblé e caboclo e da umbanda. Entre esses elementos, podemos mencionar o fumo, o transe, a ingestão de bebidas alucinógenas e a disposição dos participantes em círculos.

A jurema é uma bebida obtida a partir de um arbusto que leva o seu nome , sendo usada como fonte de comunicação entre antigos mestres e antepassados. No preparo da bebida são utilizadas as raspas de casca, podendo, ainda, ser utilizada as folhas, as raízes e as sementes. O preparo da bebida exige alguns cuidados, como a recomendação de que apenas alguém com posição hierárquica importante no grupo possa plantá-la, sair em sua procura e, em casos mais radiciais, preparar a bebida. Entre os indígenas, tal incumbência é do Pajé.

Bebida, culto e ao mesmo tempo uma entidade, a jurema é invocada durante a cerimônia, constituindo-se num ritual de fundamental importância para a sobrevivência sócio-cultural de diversos grupos indígenas. 

Como citar este texto:

SILVA, José Luiz Gomes da. Jurema. Pesquisa Escolar do Nordeste. Disponível em: http://pesquisaescolardonordeste.blogspot.com. Acesso: dia, mês e ano: Ex. 20. de set. 2015

segunda-feira, 21 de dezembro de 2015

O Diário de Pernambuco e a "invenção" do Nordeste




José Luiz Gomes da Silva

Relendo o livro do professor Durval Muniz, a Invenção do Nordeste e Outras Artes, bem como a dissertação de mestrado de um dos seus orientandos, o professor Diego Fernandes​, que trata da dizibilidade da Região Nordeste como um espaço da tradição e da saudade, me deparei com algumas referências bastante interessante sobre o jornal Diário de Pernambuco, sobretudo no tocante à sua importância para a instituição da própria região Nordeste. Não fossem suficientes a série de artigos publicados pelo sociólogo Gilberto Freyre naquele jornal, ainda quando estudante nos Estados Unidos, - considerada por Durval como uma certidão de nascimento de uma região - o jornal cumpriu um papel político importante e, até mesmo geográfico, quando se toma sua esfera de circulação como um parâmetro para se definir o espaço territorial nordestino. 

Particularmente, já disse isso aqui outro dia, tenho ótimas recordações do Diário de Pernambuco. Comprava-o todas as quinta-feiras, numa banca de revistas, nas proximidades da Igreja de Santa Elizabeth, em Paulista, porque, neste dia, eram publicados os artigos de Gilberto Freyre. Todos regiamente guardados, como fazia com os do professor Pessoa de Moraes.  O jornal abriu seus arquivos para as minhas pesquisas do mestrado e, no final, nos proporcionou uma página de debate sobre o tema. O Jornal também nos facultou muitos espaços para a divulgação de nossas oficinas de roteiro para cinema e TV, sobretudo nas colunas de Alexandrino Rocha e Fernando Spencer. 

Como se observa, além de ser o jornal mais antigo em circulação da América Latina, quando se trata da região Nordeste e do Estado de Pernambuco, então, bairristicamente, sua importância é ainda mais singular. A Fundação Joaquim Nabuco, através do seu departamento de microfilmagem, mantém todas as edições do jornal microfilmadas, acessível ao público. Hoje, o jornal ainda mantém uma excelente equipe de profissionais, mas a sua linha editorial, em razão de inúmeros fatores, acusa os "reflexos" do tempo. 


Como citar este texto:

SILVA, José Luiz Gomes da. O Diário de Pernambuco e a invenção do Nordeste. Pesquisa Escolar do Nordeste. Disponível: http://pesquisaescolardonordeste.blogspot.com. Acesso em: dia, mês e ano. 22 de ago.2015

domingo, 6 de dezembro de 2015

Toré





José Luiz Gomes da Silva

No complexo linguístico indígena, Toré significa dança guerreira. Genericamente, pode ser entendido como uma designação dos cultos de influência afro-indígena, principalmente a nação Jejenagô-Angola. Enquanto nos demais ritos de natureza afro-indígena há um culto às entidades e divindades, no Toré há, fundamentalmente, uma preocupação com a cura de moléstias. As entidades são invocadas com uma finalidade bem definida: promover a cura das enfermidades. 

Assim como a Jurema, o Toré contribui para manter o vínculo unificador da identidade étnica indígena. Constitui-se, na expressão da pesquisadora Clarisse Novais, uma forma de resistência cultural e estratégia de sobrevivência ideológica e econômica. O Toré integra, na realidade, vários aspectos: a consulta às entidades - tarefa delegada ao pajé -, a cura de doenças, o trabalho e a brincadeira, uma vez quem também possui um caráter lúdico.

A pesquisadora Clélia Moreira Pinto descreve, assim, o ritual do Toré, observado numa reserva indígena do Nordeste: o pajé convoca os caboclos através de um instrumento de sopro, em forma de corneta, feito de chifre de bois. Convém esclarecer que, entre os significados do termo Toré, está o de buzina. Os participantes levam nas mãos uma maraca, instrumento feito com cabaças fixadas a um pequeno cabo de madeira que, quando agitada, provoca um grande chocalhar. Quando todos se em volta de um crucifixo, o pajé da início ao ritual, com a saudação a Jesus Cristo, a Deus, a mãe de Deus e a todos os caboclos e encantados. O Toré, dos sábados, ocorre como forma de encontro dos membros do grupo, para brincar, dançar e fazer consultas aos encantados. Não vestimentas especiais, a não ser no momento em que várias grupos indígenas se reúnem. 

O Toré é dançado formando um círculo, da mesma forma como é dançado na gira de jurema. A dança é dirigida pelo pajé, chefe espiritual, misto de sacerdote e médico-feiticeiro. É igualmente o pajé que dita as toantes, seguida pelos puxadores, posicionando-se à frente do círculo, comandando o ritual. Por vezes, a roda se desfaz, assumindo uma forma espiral. Ao lado do pajé, coloca-se o cacique, que também pucha as linhas, dançando de braços dados com o pajé. Todos portam uma maraca, cujo som vai marcando o ritmo que é acompanhado pela batida dos pés. Os passos são marcados por pequenas passadas, um pé à frente, outro atrás, alternando-se. 

Como citar este texto:

SILVA, José Luiz Gomes da. Toré. Pesquisa Escolar do Nordeste. Disponível: http://pesquisaescolardonordeste.blogspot.com. Acesso em: dia, mês e ano. Ex. 20 de set. 2013.


sábado, 5 de dezembro de 2015

Candomblé



José Luiz Gomes da Silva

O candomblé chegou ao Brasil através dos navios negreiros. Como os negros escravos, vieram não apenas a força de trabalho para o Brasil Colônia, mas uma manifestação religiosa que sobreviveu - com muita resistência - ao processo escravocrata e tornou-se uma das religiões mais populares do país. Difícil dizer quantos são seus adeptos no Brasil, mas as suas festas são uma demonstração de sua popularidade.

Candomblé, de acordo com o dicionário de cultos afro-brasileiros de Olga Gudolle Cacciatore, está descrito como o local onde são realizadas as cerimônias de certos cultos afro-brasileiros, mas ligados às tradições africanas ou, etimologicamente, dança profana de negros. Equivocadamente, leigos o aplicam, genericamente, a qualquer terreiro de culto com influência africana.

A principal diferença entre os grupos de candomblé está na sua origem étnica e, em menor medida, no toque dos instrumentos musicais que acompanham as cerimônias. No Brasil, há quatro tipologias de candomblé: o Queto, da Bahia; o Xangô, de Pernambuco; o Batuque, do Rio Grande do Sul; e o Angola, da Bahia e São Paulo. 

O sincretismo religioso entre as entidades do candomblé e os seus correspondentes santos católicos, nasceu como consequência da perseguição sofrida pelos colonizadores portugueses - de tradição católica - para quem as danças e os rituais africanos se constituíam em feitiçaria. 

Na década de 40, na vigência do Estado Novo, os cultos de matriz africana foram muito perseguidos pelo Estado, com proibição de manifestações a partir de determinadas horas, assim como apreensão dos objetos utilizados durante os rituais. Nos últimos anos, quando a intolerância religiosa toma um fôlego surpreendente no nosso país, são comuns as noticias de profanação dos seus terreiros e símbolos, patrocinadas, por vezes, por membros de igrejas neopentecostais.  

Como citar este texto:

SILVA, José Luiz Gomes da. Candomblé. Pesquisa Escolar do Nordeste. Disponível em: http://pesquisaescolardonordeste.blogspot.com. Acessado em: dia, mês e ano. Ex. 20 de Set. 2015

terça-feira, 1 de dezembro de 2015

Os anos de ouro de Areia


 



José Luiz Gomes
 
Nos festivais de inverno "Caminhos do Frio", frequentemente, circulo pela cidade de Areia, na microrregião do Brejo Paraibano. Essa belíssima região da paraíba é composta de umas poucas cidades, todas muito próximas, facilitando bastante a vida dos visitantes. O trajeto de Areia para Bananeiras, por exemplo, é feito, de carro, em 15 minutos. Bananeiras ainda possui as melhores condições de hospedagem. Em muitas ocasiões, como nesses festivais ou na Rota dos Engenhos, as pessoas costumam ficarem hospedadas em Bananeiras e, de carro, se dirigem às outras cidades do circuito do festival. Mas não é apenas essa facilidade geográfica que atraem milhares de pessoas, todos os anos, para curtirem aquela região. Há muitos outros atrativos, como as manifestações culturais e religiosas, a gastronomia, as atividades esportivas, as rotas pelas matas e cachoeiras, além, claro, daquele friozinho gostoso que entra pelas fendas das paredes, nos finais de tarde, uivando bastante, mesmo antes de agosto chegar, sem os temidos presságios. 


Em alguns momentos, logo cedinho, a cidade amanhece com uma neblina densa, que deixa os corpos encolhidos nos agasalhos de frio. É a hora de um chocolate quente ou de uma pinga de aguardente, entre as inúmeras opções existentes. Naquela região, hoje, são fabricadas as melhores cachaças brancas do Brasil, superando, inclusive as concorrentes mineiras. Um dos momentos que mais curto são as visitas aos tradicionais engenhos da região. Aliás, bem próximo a Areia, já em Serraria, é possível se hospedar num dos antigos engenhos do apogeu do ciclo da cana-de-açúcar na região, o Engenho Laranjeiras.

Há alguns anos atrás, a notícia de que poderíamos nos hospedar num antigo engenho do século XVI, do período do apogeu do ciclo econômico da cana-de-açúcar, confesso, nos causou um grande entusiasmo. Com raízes bem fincadas na zona rural, o fato, certamente, não espantaria a ninguém. O antigo engenho proporciona tudo o que a vida no campo oferece: riachos para pescaria; piscinas naturais; gastronomia regional feita no fogão à lenha; trilhas pelas matas; o canto dos galos de campina, rouxinóis, canários da terra , logo cedinho; belíssimos jardins para se namorar; o friozinho da Serra da Borborema. Por vezes, penso que nós precisamos um pouco desse sossego. Um pouco é pouco. Precisamos muito. 

Outro dia, li nas redes sociais os posts de dois  colegas  professores sobre as agruras da vida nas metrópoles. Um deles é pernambucano, aqui de Olinda, e o outro é da  Paraíba, precisamente do Bairro de Cabo Branco, em João Pessoa, cidade que no último dia 05 completou 430 anos. Um deles desabafou que dirigir no Recife estava se tornando um negócio para corno, após constatar que, em certos momentos, o indivíduo ficava "retido" nos automóveis. O outro, inconformado, alegava que estava sendo "interditado" de chegar à sua residência, todas as vezes em que ocorriam eventos no Bairro de Cabo Branco. 

Ao se despedir temporariamente do Facebook, o jornalista Roberto Numeriano escreveu uma bela crônica sobre os contatos estéreis proporcionados pelos celulares. As pessoas se sentavam na mesa de um bar, dizia ele, mas cada qual com seus equipamentos, pareciam desprovidas de afeto, jogando ou falando constantemente com pessoas longe daquele círculo restrito. Estavam naquele espaço apenas fisicamente, mas absortos. Pois bem. Outro dia, examinando os comentários das pessoas sobre as avaliações de hotéis - a pesquisa foi num desses sites de viagem conhecido - observei uma coisa curiosa. Um bom sinal de Wi-Fi, hoje, pode ser mais importante do que uma ducha quente, a limpeza dos quartos, a troca das toalhas, o atendimento, se o ar-condicionado funciona, se é possível dormir bem. 
Como informa Numeriano, convém repensarmos algumas atitudes, alguns comportamentos. Essa fixação nesses aparelhinhos está virando uma verdadeira nóia, comprometendo alguns aspectos importantes da vida. Essa pousada, até recentemente, não possuía sequer televisão nos quartos. Frequentei-a quando ela ainda era virgem. Não sei se os proprietários já cederam às imposições da vida moderna. A pousada Engenho Laranjeiras fica na cidade de Serraria, na microrregião do Brejo Paraibano. É um equipamento completo, sem os luxos das terras civilizadas, como diz o cancioneiro popular.Já estamos com saudade, e, essa saudade, ontem foi atiçada pela chegada do livro da economista Zélia Almeida, sobre os tempos de ouro da cidade de Areia.
 
Como citar este texto:
 
SILVA, José Luiz Gomes da. Os anos de ouro de Areia(crônica). Pesquisa Escolar do Nordeste. Disponível em: http://pesquisaescolardonordeste.blogspot.com. Acesso: dia, mês e ano. Ex. 20 de ago.2015.